Caminhando pela cidade, e olhando as pessoas fiquei imaginando quantas delas se sente solitária.
Então, comecei a pensar a respeito do que é na realidade solidão.
A diferença entre solitário e sozinho.
Fui questionando minha vida e minha memória foi voltando no tempo e chegou até a minha infância.
Meu avô, depois do jantar com a imensa família, me levava pra um canto onde havia a linda cadeira de balanço austríaca.
Ele sentava e eu colocava uma outra cadeira comum do lado. Eu o balançava e ele contava historia que inventava naquele momento.
Ficávamos ali, naquele tempo só nosso, onde ninguém penetrava. Eu viajava nos seus contos deliciosos e ele também. Éramos duas pessoas, mas cada uma viajando nas imagens que formavam em sua mente.
Cada um sozinho no seu mundo de imagens e sons.
Assim ficávamos até a hora que eu deveria ir dormir.
Momentos de absoluta solidão.
Eu estava sozinha nesse mundo de brincadeira e era muito bom. Sentia-me dentro de um vácuo onde só a voz do meu avô existia e as imagens que se formavam dançando na minha mente infantil.
Cresci e ninguém mais me contou historias, a realidade, se é que ela existe, foi tomando conta dos meus momentos e não mais pude viajar assim de forma tão leve e gostosa.
A vida foi empurrando e eu caminhando, ás vezes apressada e ás vezes devagar, mas fui.
Estudei, casei e tive filhos.
Amei cada um deles com intensidade.
Queria ser a esposa perfeita e a mãe mais devotada. Esforçava-me para isso, mas acho que não consegui, enfim.
Numa época em que as crianças eram pequenas e iam todas juntas para a escola eu ganhei do meu marido uma cadeira de balanço.
Não era austríaca, mas uma linda cadeira colonial que combinava com nossa sala e a deixava com ar de fazenda. E eu adorava isso.
Mas ela ocupava muito espaço, enfim um estorvo e foi ficando encostada cada vez mais para um canto e empurrada para cá e para lá.
Numa época, teci um lindo tapete branco de trama complicada, mas deliciosa de se olhar. Mas as crianças pequenas ainda, não entendiam e o empurravam de um lado para outro ou escorregavam nele nas suas correrias pela casa. Ele foi retirado, enrolado e guardado no canto do armário.
A correria do dia a dia me fazia sentir vontade de um pouco do meu silencio interior, de solidão talvez.
Uma manha depois de toda a casa arrumada e cheirosa, fui ate o armário tirei meu tapete, coloquei no chão e a cadeira em cima.
Senti ali um momento mágico, um espaço seguro, uma egrégora doce.
Sentei na cadeira de balaço e ali fiquei. Imagens vinham a minha mente. Doces imagens de coisas já vividas. De épocas que não voltavam mais, de pessoas que já tinham ido embora daqui.
Meu pai com seu vozeirão e sua mão forte sempre me amparando.
Meu sogro e sua doce figura, tão amigo, tão solidário e tão meu companheiro de todas as horas difíceis.
Revivi tudo de uma forma doce, gostosa e intensa.
A partir dali, todos as manhas, depois da lida domestica, colocava o tapete, a cadeira de balaço em cima e me sentava. Às vezes com um livro nas mãos, outras com um bordado, e muitas só com meus sentimentos. E ali ficava, num mundo só meu. A minha mais deliciosa solidão.
Quando ouvia a voz das crianças chegando, rapidamente empurrava a cadeira para o canto dela, enrolava o tapete branco e as esperava para o almoço, as tarefas escolares, o jantar a chegada do marido do trabalho cansativo. Era de novo a mãe e esposa a disposição da família dos amigos e de quem mais precisasse.
Enquanto essa época durou eu a usufrui.
Essa serenidade que me dei ao prazer de ter, ajudou muito nessa fase cansativa de minha vida.
Depois a cadeira foi doada, o tapete nem sei que fim levou, mas a época não se apagou.
Muitos anos, muitos mesmo se passaram dessa época. Tudo mudou de forma assustadora.
As crianças não correm mais a minha volta. São adultos que tem outras crianças agora acorrendo a volta deles.
Cada um com sua vida e suas tarefas.
E eu me acho agora fisicamente sozinha.
Tenho uma cadeira de balanço, mais moderna, de estrutura de alumínio e assento de um tecido grosso e estampado.
Mas pouco me sento nela.
Não preciso fazer um espaço só pra mim.
Eu tenho todo o espaço do mundo para exercer minha solidão. Para fazer meus momentos tenho o dia e a noite toda.
Tenho uma cidade linda onde posso caminhar e soltar minhas idéias e ninguém nem percebe que estou fazendo isso.
Tenho um quintal onde pássaros de todas as cores e tipos cantam e comem as frutas que minhas árvores oferecem e eu os escuto em silencio para não os perturbar enquanto divago nas minhas memórias.
Tenho duas cachorras que ficam ao meu lado pedindo carinho, mas sempre respeitando meus momentos de quietude também.
Enfim, tenho a oportunidade de nessa solidão, ouvir meus pensamentos e sentir meus sentimentos numa sinfonia que só me traz...
Paz Profunda
Beth
Nenhum comentário:
Postar um comentário